“Choveu tanto que se encheu e rebentaram as fontes”, relatou um assustado padre José Anchieta em 1575 ao ver a fúria das chuvas no Rio de Janeiro.
Alguns séculos depois, o escritor Machado de Assis registrou algo semelhante sobre a forte chuva de 1811: “Pior que tudo, porém, se a tradição não mente, foram as águas do monte, assim chamadas por terem feito desabar parte do morro do Castelo”.
Esses e outros relatos encontrados por Andréa Casa Nova Maia para artigo publicado na Revista Escritos, da Casa de Rui Barbosa, indicam que as chuvas no Rio não são fenômenos raros ou surpreendentes, não são raios em dia de céu azul, na expressão engelsiana.
Se já temos informações suficientes há pelo menos cinco séculos de que a chuva vai cair no verão do Rio, então podemos dizer que tivemos tempo suficiente para nos prepararmos. Mas não foi isso o que nossos governantes fizeram nesse tempo todo.
Esse descaso na construção de políticas públicas ganha ainda maior perversidade nos últimos anos, com os alertas consensuais da ciência de que vivemos uma época de mudanças climáticas causadas pela ação humana – exploração de petróleo, de minas de carvão, desmatamentos e queimadas são os principais vilões do aquecimento global.
Foi neste cenário que, mais uma vez, centenas de moradores do Rio de Janeiro perderam suas casas e seus pertences conquistados de forma dura ao longo de suas vidas. Até o momento já são 11 pessoas mortas no Grande Rio.
O que faz com que essas pessoas atingidas sejam sempre das regiões mais pobres do estado é o que chamamos de injustiça climática e de racismo ambiental.
O governo do estado e as prefeituras garantem saneamento e outras políticas públicas para as regiões nobres da capital, mas na Baixada Fluminense e nas periferias da cidade a ausência do planejamento urbano faz com que rios transbordem, morros deslizem e árvores caiam, entre outros impactos socioambientais.
Infelizmente, sabemos que, se não mudarmos essa lógica de nossos prefeitos e governadores, no verão de 2025 mais uma vez os mais pobres sofrerão as consequências desastrosas do nosso modelo insustentável de produção. Uma outra certeza que temos é a de que o problema não é da natureza, mas sim da política. E mudar a política no Rio pode salvar vidas.